A HORA DO DESCANSO
São eternas até certo ponto.
As coisas que amamos,
As pessoas que amamos
Duram o infinito variável
No limite de nosso poder
De respirar a eternidade.
Pensá – las é pensar que não acabam nunca,
Dar – lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
Numa outra (maior ) realidade.
Começam a esmaecer quando nos cansamos,
E todos nos cansamos, por um ou outro itinerário,
De aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
Rebaixamos o amor ao estado de utilidade.
Do sonho de eterno fica esse gosto acre
Na boca, na mente, sei lá, talvez no ar.
ERRO DE PORTUGUÊS
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena !
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
Oswald de Andrade,1978
Eu juro que vi
Eu vi uma arara vermelhaCom pitangas nas orelhas.
Eu vi uma cobra jararaca
Engolindo inteira uma jaca
Eu vi uma onça pintada
Se coçando com a espingarda.
Eu vi o senhor Juvenal
Comendo açúcar com sal
Eu vi um dromedário
Fazendo tricô no armário.
Eu vi no mar a baleia
Dançando com a lua cheia.
Eu vi uma cobra braba
Dizendo abracadabra.
Sérgio Caparelli
A Casa
Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque na casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque pinico
Não tinha ali
Mas era feita
Com muito esmero
Na rua dos bobos
Número zero.
Vinícius de Morais
ROSA FALA:
_QUERO COMER PIPOCA
ZÉ pega tijolo.
Lili pega a pipoca da cozinha.
Carla pega a panela.
O tijolo vira fogão.
A pipoca vai pra panela.
O fogo forte estoura a pipoca.
_blim,blom,bloc,pluft!
Porque será que a mamãe
Não gosta da letra B?
Será que ela brigava comigo
Se eu ainda fosse um bebê ?
Se tem bolo para o lanche,
Ela sempre diz que não.
Se tem bala ou bombocado,
Tem a mesma reação.
Mãe –benta não quer provar,
Não quer beiju, não quer nada
Não come baba –de –moça,
Não aceita bananada.
Se lhe oferecem batata,
Recusa no mesmo tom.
Nem olha para bolinho
E não quer nem um bombom!
A razão de tudo isso
Era uma idéia secreta.
Mas acabei descobrindo:
A mamãe esta de dieta!
Receita de mulher
As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso ( ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa).
Não há meio – termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha – se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso , é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Eluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como ao âmbar de uma tarde. Ah, deixai – me dizer – vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida ! ) é também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravissímo é porém o problema das saboneteiras : uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteie em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco – romana, mais que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que existia um grande latifúndio dorsal !
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível ( um mínimo de produtos farmacêuticos !)
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada Ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37º centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do 1º grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se se fechar os olhos
Ao abri – los ela não mais estará presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber
O fel da dúvida. Oh, Sobretudo
Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme – se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão ; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.
Vinícius de Moraes
Não tenho medo de nada!
Eu sou valente de fato!
Nem de susto, nem de escuro,
Nem de injeção, nem de rato!
Nem de sapo ou lagartixa,
Nem de fantasma e assombração!
Eu sou menino sem medo ,
Corajoso e valentão!
Não tenho medo de aranha,
Nem de monstro, nem dragão!
Não tenho medo de bruxa,
Nem do tal bicho-papão!
Mas eu só tenho coragem
quando estou na minha casa,
bem seguro , aconchegado
no colinho da mamãe...
Pedro Bandeira
O que Marina quer de aniversário
O que Marina quer de aniversário ?
- Três raios de sol
e uma caturrita
que fale espanhol.
O que Marina quer de aniversário?
- O lado oculto da lua
E um gato milionário
Que mia na rua.
O que Marina quer de aniversário?
- Um buquê de flores
e um colar de pérolas de todas as cores.
O que Marina quer de aniversário ?
- Um rolimã ,um patinete
e dois burrinhos mansos
Mascando chiclete .
Para o papai, tudo passa ...
Meu pai é um cara engraçado !
Diz que me põe no castigo,
se eu não fizer a lição.
Só que eu não faço
Ele vem com decisão,
E o ar sério que ele tem,
E diz :”dessa vez passa
mas da próxima, hein ?”
Se eu levo um tombo e choro,
Ele me pega no colo,
Me embala e fica dizendo:
- Chore não... isso passa...
Quando eu vou dormir,
E tenho medo do escuro,
Ele me conta uma história,
Diz para fechar os olhos,
que o medo passa.
Ai, eu gosto tanto dele !
E isso não passa.
BASTA!
Agora chega!
Chega de obedecer
e de ficar calado
Chega de ter que fazer
tudo o que eu não quero
e acho errado!
Agora chega!
Chega de comer pepino
e de engolir ovo quente,
chega de dormir cedo e
e acordar mais cedo ainda,
chega de visitar a avó,
a tia, a prima, o padrinho...
Chega de prestar contas
do banho tomado,
da roupa escolhida,
do uniforme da escola,
da nota da prova,
de cada segundo,
de cada respiro!
Chega, chega.... e chega!
Liberdade ainda que tarde!
Independência ou morte!
Manheêêêê!
Onde está a minha roupa de goleiro?
Paiêêêêê!
Quero o dinheiro da minha mesada!
Vovó Maroca
toda cocota
toda vaidade
setenta anos
é mais pra frente
que muita gente
de pouca idade.
Vovó Maroca
se é calor
apanha a tanga
pega a motoca
vai pegar cor.
Vovó Maroca se vai a festa
não se definha
não perde a linha
e ainda testa
o que é novidade
pra mocidade.
Vovó Maroca
se apruma
e se arruma
é um modelo
Frente o espelho.
Elias José
O buraco do tatu
O tatu cava um buraco,
à procura de uma lebre,
quando sai pra se coçar,
já está em Porto Alegre.
O tatu cava um buraco,
e fura a terra com gana
quando sae pra respirar
já está em Copacabana.
O tatu cava um buraco
e retira terra aos montes,
quando sae pra beber água
já está em Belo Horizonte.
O tatu cava um buraco,
dia e noite, noite e dia,
quando sae pra descansar,
já está lá na Bahia.
tatu cava um buraco,
tira terra, muita terra.
quando sae por falta de ar,
já está na Inglaterra.
O tatu cava um buraco
e some dentro do chão,
quando sae pra respirar
já está lá no Japão.
O tatu cava um buraco
com as garras muito fortes,
quando quer se refrescar
já está no Pólo Norte.
o tatu cava um buraco
um buraco muito fundo,
quando sae pra descansar
já está no fim do mundo.
O tatu cava um buraco,
perde o fôlego, geme, sua,
quando quer voltar atrás,
leva um susto, está na lua.
Ou isto ou aquilo
Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel.
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro!
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo se fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
Qual é melhor: se é isto ou aquilo.
Cidadezinha
Mario Quintana
Cidadezinha
cheia de graça...
Tão
pequenina que até causa dó!
Com
seus burricos a pastar na praça...
Sua
igrejinha de uma torre só...
Nuvens que
venham, nuvens e asas,
Não
param nunca nem um segundo...
E
fica a torre, sobre as velhas casas,
Fica
cismando como é vasto o mundo!...
Eu
que de longe venho perdido,
Sem
pouso fixo (a triste sina!)
Ah,
quem me dera ter lá nascido!
Lá
toda a vida poder morar!
Cidadezinha...
Tão pequenina
Que
toda cabe num só olhar...
Prosa e
verso. 9ª ed. São Paulo: Globo, 2005.
© by Elena Quintana.
Alma cabocla
Paulo Setúbal
E, na doçura
que encerra
Esta
simpleza daqui,
Viver
de novo, na serra,
Entre
as gentes desta terra,
A
vida que eu já vivi...
Obras
completas. São
Paulo: Saraiva, 1958.
Convite
José Paulo Paes
Poesiaé brincar com palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião.
Só que
bola, papagaio, pião
de tanto brincar
se gastam.
As palavras não:
quanto mais se brinca
com elas
mais novas ficam.
Como a água do rio
que é água sempre nova.
Como cada dia
que é sempre um novo dia.
Vamos brincar de poesia?
Poemas para brincar. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1991.
Milagre no Corcovado
Ângela Leite de Souza
de céu nublado
no Corcovado
faz seu milagre
o Redentor:
fica pousado
no algodão-doce
iluminado
como se fosse
de isopor.
Mas todos sabem
que bem de perto
esse Jesus
é um gigante
de mais de mil
e cem toneladas...
Suba de trem,
vá pela estrada,
quem chega lá,
ao pé do Cristo,
vira mosquito.
E olhando em volta
para a cidade
de ponta a ponta
maravilhosa
a gente sente
um arrepio:
o milagre
é o próprio Rio!
Meus Rios. Belo Horizonte: Formato, 2000.
Definições poéticas de Mário Quintana
Mário Quintana
Modéstia: A modéstia é a vaidade escondida
atrás da porta.Mário Quintana
Reticências: As reticências são os três primeiros passos do pensamento que continua por conta própria o seu caminho...
Recordação: A recordação é uma cadeira de balanço embalando sozinha.
Sapo
amarelo.
São Paulo: Global, 2006.
Duas dúzias de coisinhas à toa que deixam
a gente feliz
Otávio Roth
Passarinho na
janela, pijama de flanela, brigadeiro na panela.Otávio Roth
Gato andando no telhado, cheirinho de mato molhado, disco antigo sem chiado.
Pão quentinho de manhã, dropes de hortelã, grito do Tarzan.
Tirar a sorte no osso, jogar pedrinha no poço, um cachecol no pescoço.
Papagaio que conversa, pisar em tapete persa, eu te amo e vice-versa.
Vaga-lume aceso na mão, dias quentes de verão, descer pelo corrimão.
Almoço de domingo, revoada de flamingo, herói que fuma cachimbo.
Anãozinho de jardim, lacinho de cetim, terminar o livro assim.
Duas dúzias de coisinhas à toa que deixam a gente feliz. São Paulo: Ática, 1994.
Emigração e as consequências
Patativa do Assaré
Neste estilo
popularPatativa do Assaré
Nos meus singelos versinhos,
O leitor vai encontrar
Em vez de rosas espinhos
Na minha penosa lida
Conheço do mar da vida
As temerosas tormentas
Eu sou o poeta da roça
Tenho mão calosa e grossa
Do cabo das ferramentas
Por força da natureza
Sou poeta nordestino
Porém só conto a pobreza
Do meu mundo pequenino
Eu não sei contar as glórias
Nem também conto as vitórias
Do herói com seu brasão
Nem o mar com suas águas
Só sei contar minhas mágoas
E as mágoas do meu irmão
[ . . .]
Meu bom Jesus Nazareno
Pela vossa majestade
Fazei que cada pequeno
Que vaga pela cidade
Tenha boa proteção
Tenha em vez de uma prisão
Aquele medonho inferno
Que revolta e desconsola
Bom conforto e boa escola
Um lápis e o caderno
Uma
voz do Nordeste.
São Paulo: Hedra, 2000.
Canção do exílio
Gonçalves Dias
Minha terra tem
palmeirasGonçalves Dias
Onde canta o Sabiá,
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Cinco
estrelas. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2001. Coleção Literatura em Minha Casa.
Haicai
Ângela Leite de Souza
Que cheiro
cheirosode terra molhada quando
a chuva chuvisca!...
Três
gotas de poesia.
São Paulo: Moderna, 2002.
Confidência do itabirano
Carlos
Drummond de Andrade
Alguns anos
vivi em Itabira.Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas...
Sentimento
do mundo.
Rio de Janeiro: Record, 2001.
Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond.
Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond.
Vinicius de Moraes
Leão! Leão!
Leão!Rugindo como um trovão
Deu um pulo, e era uma vez
Um cabritinho montês
Leão! Leão! Leão!
És o rei da criação
Tua goela é uma fornalha
Teu salto, uma labareda
Tua garra, uma navalha
Cortando a presa na queda
Leão longe, leão perto
Nas areias do deserto
Leão alto, sobranceiro
Junto do despenhadeiro
Leão! Leão! Leão!
És o rei da criação
Leão na caça diurna
Saindo a correr da furna
Leão! Leão! Leão!
Foi Deus quem te fez ou não
Leão! Leão! Leão!
És o rei da criação
O salto do tigre é rápido
Como o raio, mas não há
Tigre no mundo que escape
Do salto que o leão dá
Não conheço quem defronte
O feroz rinoceronte
Pois bem, se ele vê o leão
Foge como um furacão
Leão! Leão! Leão!
És o rei da criação
Leão! Leão! Leão!
Foi Deus quem te fez ou não
Leão se esgueirando à espera
Da passagem de outra fera
Vem um tigre, como um dardo
Cai-lhe em cima o leopardo
E enquanto brigam, tranquilo
O leão fica olhando aquilo
Quando se cansam, o leão
Mata um com cada mão
A
arca de Noé: poemas infantis. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
Autorizado pela VM Emprendimentos
Artísticos e Culturais Ltda . ©VM
Autorizado pela VM Emprendimentos
Artísticos e Culturais Ltda . ©VM
Machado de Assis
Teus olhos são
meus livros.Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?
Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?
Obra
completa III. Rio
de Janeiro: Aguilar, 1962.
As Marias do meu lugar
Carlos Victor Dantas Araújo
ICarlos Victor Dantas Araújo
Minha terra é pequenina
Fica aqui no Ceará
No Vale do Jaguaribe
Alto Santo aqui está
No Comando das Marias
Que progride esse lugar
II
Tem Maria sertaneja
Valente feito um trovão
Daquela que desde cedo
Faz o cultivo do chão
E a Maria tratorista
Que ajuda na plantação
III
Tem Maria lá na Câmara
Que é a vereadora
Tem Maria que cedinho
Limpa a rua com a vassoura
Tem aquela que ensina
A Maria professora
IV
A Maria forrozeira
Rodeia feito pião
Tem a Maria louceira
Transforma o barro com a mão
E a Maria morena
Com corpo de violão
V
Maria que no mercado
Vende o quente e o frio
E a Maria lavadeira
Faz espuma lá no rio
E a Maria açougueira
Com a faca faz desafio
VI
Maria no hospital
A Maria enfermeira
Lá na fábrica de tecidos
A Maria costureira
E aqui na minha casa
A Maria verdadeira
VII
Lá no altar da igreja
Maria diz o amém
Implora ao padroeiro
Para todos viver bem
A mãe do Menino Deus
Que é Maria também
VIII
Ah! Se em todo lugar tivesse
Assim tantas alegrias
E que fosse como meu
Nessa paz do dia a dia
Que faz o calor do sol
Dar força a essas Marias
Aluno
finalista da 1ª edição da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, em
2008, 6º ano da E. M. E. F. Urcesina Moura Cantídio, Alto Santo - CE.
Meus oito anos
Casimiro de Abreu
Oh! que
saudades que tenho
Da
aurora da minha vida,
Da
minha infância querida
Que
os anos não trazem mais!
Que
amor, que sonhos, que flores,
Naquelas
tardes fagueiras
À
sombra das bananeiras,
Debaixo
dos laranjais!
Como
são belos os dias
De
despontar da existência!
—
Respira a alma inocência
Como
perfumes a flor;
O
mar é — lago sereno,
O
céu — um manto azulado,
O
mundo — um sonho dourado,
A
vida — um hino d’amor!
Que
auroras, que sol, que vida,
Que
noites de melodia
Naquela
doce alegria,
Naquele
ingênuo folgar!
O
céu bordado d’estrelas,
A
terra de aromas cheia,
As
ondas beijando a areia
E
a lua beijando o mar!
Oh!
dias de minha infância!
Oh!
meu céu de primavera!
Que
doce a vida não era
Nessa
risonha manhã!
Em
vez das mágoas de agora,
Eu
tinha nessas delícias
De
minha mãe as carícias
E
beijos de minha irmã!
Livre
filho das montanhas,
Eu
ia bem satisfeito,
Da
camisa aberto o peito,
—
Pés descalços, braços nus —
Correndo
pelas campinas
À
roda das cachoeiras,
Atrás
das asas ligeiras
Das
borboletas azuis!
Naqueles
tempos ditosos
Ia
colher as pitangas,
Trepava
a tirar as mangas,
Brincava
à beira do mar;
Rezava
às Ave-Marias,
Achava
o céu sempre lindo,
Adormecia
sorrindo
E
despertava a cantar!
[...]
Oh!
que saudades que tenho
Da
aurora da minha vida,
Da
minha infância querida
Que
os anos não trazem mais!
—
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas
tardes fagueiras
À
sombra das bananeiras,
Debaixo
dos laranjais!
Lisboa, 1857.
Enciclopédia
Itaú Cultural - Literatura Brasileira. Disponível em www.itaucultural.org.br.
Pássaro livre
Sidônio Muralha
Aberta a janela.
O pássaro desperta,
A vida é bela.
A vida é bela
A vida é boa.
Voa, pássaro, voa.
A
dança dos pica-paus.
Rio de Janeiro: Nórdica, 1985.
Quadras ao gosto popular
Fernando Pessoa
Enfiado para te dar:
As per’ las são os meus beijos,
O fio é o meu penar.
Quadra 2 (27/8/1907)
A caixa que não tem tampa
Fica sempre destapada.
Dá-me um sorriso dos teus
Porque não quero mais nada.
Quadra 9 (11/7/1934)
No baile em que dançam todos
Alguém fica sem dançar.
Melhor é não ir ao baile
Do que estar lá sem lá estar.
Quadra 17 (4/8/1934)
Vale a pena ser discreto?
Não sei bem se vale a pena.
O melhor é estar quieto
E ter a cara serena.
Quadra 18 (18/8/1934 — data provável)
Não digas mal de ninguém,
Que é de ti que dizes mal.
Quando dizes mal de alguém
Tudo no mundo é igual.
Quadra 62 (11/9/1934)
Obra
poética VI. Porto
Alegre: L&PM, 2008.
O mundo dentro da represa do Frade
Carla Marinho Xavier
Presa com água
E feita de pedra, pesada
Com mil toneladas de água
Lá embaixo os peixes:
Cascudo, cará, carapeba
Brincam de esconde-esconde
Se entocando nas pedras.
Desce a correnteza, correndo
Descansa na represa
E cai pelo caidor
Fazendo cócegas nas pedras
A água de baixo
Temendo a água de cima
Faz onda para escapar
Fugindo para outro lugar
Sobre a estreita ponte
O danado do vento
Vem assustar a gente
Com seu sopro violento
As árvores nas beiras
Se seguram na areia
Temerosas
Não querem ser levadas
Pela força da correnteza
Da minha janela vejo esse
mundo:
Um mundo dentro do outro
Preso nas muralhas da represa
Aluna vencedora da 3ª edição do Prêmio Escrevendo o Futuro, em 2006
Rimas e quadras
O cravo brigou
com a rosa,Debaixo de uma sacada.
O cravo saiu ferido,
E a rosa despedaçada.
Domínio Público.
Lá no fundo do quintal
Tem um tacho de melado
Quem não sabe cantar verso
É melhor ficar calado
Ricardo Azevedo. Armazém do folclore.
São Paulo: Ática, 2000.
Não sei se vá ou se fique
Não sei se fique ou se vá
Ficando aqui não vou lá
E ainda perco o meu pique
Sílvio Romero. Contos populares do Brasil.
São Paulo: José Olympio, 1954.
Ô seu moço inteligente
Faça o favor de dizer
Em cima daquele morro
Quanto capim pode ter?
Ricardo Azevedo. Armazém do folclore.
São Paulo: Ática, 2000.
O buraco do tatu
Sérgio Caparelli
À procura de uma lebre,
Quando sai pra se coçar,
Já está em Porto Alegre.
O tatu cava um buraco,
E fura a terra com gana,
Quando sai pra respirar,
Já está em Copacabana.
O tatu cava um buraco
E retira a terra aos montes,
Quando sai pra beber água,
Já está em Belo Horizonte.
O tatu cava um buraco
Dia e noite, noite e dia,
Quando sai pra descansar,
Já está lá na Bahia.
O tatu cava um buraco,
Tira terra, muita terra,
Quando sai por falta de ar,
Já está na Inglaterra.
O tatu cava um buraco
E some dentro do chão,
Quando sai para respirar,
Já está lá no Japão.
O tatu cava um buraco.
Com as garras muito fortes,
Quando quer se refrescar,
Já está lá no Polo Norte.
O tatu cava um buraco,
Um buraco muito fundo,
Quando sai pra descansar,
Já está no fim do mundo.
O tatu cava um buraco,
Perde o fôlego, geme, sua,
Quando quer voltar atrás,
Leva um susto, está na Lua.
111 poemas para crianças. Porto Alegre: L&PM, 2008.
Trava-línguas
• Porco crespo, toco preto.
• Um tigre, dois tigres, três tigres.
• A pipa pinga, o pinto pia, quanto mais o pinto pia, mais a pipa pinga.
• Olha o sapo dentro do saco, o saco com o sapo dentro, o sapo batendo papo e o papo soltando vento.
• Não tem truque, troque o trinco, traga o troco e tire o trapo do prato. Tire o trinco, não tem truque, troque o troco e traga o trapo do prato.
Domínio Público.
Travatrovas
Ciça
O pedreiro Pedro Alfredo,
o Pedro Alfredo Pereira,
tramou tretas intrigantes,
transou truques, pregou petas,
pois Pedro Alfredo Pereira
é um tremendo tratante!
Se um dia me der na telha
Se um dia me der na telha
eu frito a fruta na grelha
eu ponho a fralda na velha
eu como a crista do frango
eu cruzo zebu com abelha
eu fujo junto com a Amélia
se um dia me der na telha.
Chegou “seu” Chico Sousa
Só sei que “seu” Chico Sousa
chegou e trouxe da China
a seda xadrez da Célia
o xale roxo da Sônia
o xale cinza da Sheila
e a saia chique da Selma.
Travatrovas.
Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
Tem tudo a ver
Elias José
tem tudo a ver
com tua dor e alegrias,
com as cores, as formas, os cheiros,
os sabores e a música
do mundo.
A poesia
tem tudo a ver
com o sorriso da criança,
o diálogo dos namorados,
as lágrimas diante da morte,
os olhos pedindo pão.
A poesia
tem tudo a ver
com a plumagem, o voo,
e o canto dos pássaros,
a veloz acrobacia dos peixes,
as cores todas do arco-íris,
o ritmo dos rios e cachoeiras,
o brilho da lua, do sol e das estrelas,
a explosão em verde, em flores e frutos.
A poesia
― é só abrir os olhos e ver ―
tem tudo a ver
com tudo.
Segredinhos
de amor.
2ª ed. São Paulo: Moderna, 2002.
Casimiro de Abreu
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co’as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa
Tão falsa,
Corrias
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranquila,
Serena,
Sem pena
De mim!
Ilka Brunhilde Laurito (org.). Casimiro de Abreu (Antologia). São Paulo: Abril Educação, 1982. Série Literatura Comentada.
Chapeuzinho
Amarelo
Chico Buarque
Então, era uma vez…
“Era a Chapeuzinho Amarelo.
Amarelada de medo.
Tinha medo de tudo, aquela Chapeuzinho.
Já não ria.
Em festa, não aparecia.
Não subia escada, nem descia.
Não estava resfriada, mas tossia.
Ouvia conto de fada, e estremecia.
Não brincava mais de nada, nem de amarelinha.
Tinha medo de trovão.
Minhoca, pra ela, era cobra.
E nunca apanhava sol, porque tinha medo da sombra.
Não ia pra fora pra não se sujar.
Não tomava sopa pra não ensopar.
Não tomava banho pra não descolar.
Não falava nada pra não engasgar.
Não ficava em pé com medo de cair.
Então vivia parada, deitada, mas sem dormir, com medo de pesadelo.
Era a Chapeuzinho Amarelo…”
“E de todos os medos que tinha
O medo mais que medonho era o medo do tal do LOBO.
Um LOBO que nunca se via,
que morava lá pra longe,
do outro lado da montanha,
num buraco da Alemanha,
cheio de teia de aranha,
numa terra tão estranha,
que vai ver que o tal do LOBO
nem existia.
Mesmo assim a Chapeuzinho tinha cada vez mais medo do medo do medo do medo
de um dia encontrar um LOBO.
Um LOBO que não existia.
E Chapeuzinho amarelo,
de tanto pensar no LOBO,
de tanto sonhar com LOBO,
de tanto esperar o LOBO,
um dia topou com ele
que era assim:
carão de LOBO,
olhão de LOBO,
jeitão de LOBO,
e principalmente um bocão
tão grande que era capaz de comer duas avós,
um caçador, rei, princesa, sete panelas de arroz…
E um chapéu de sobremesa. “
“Mas o engraçado é que,
assim que encontrou o LOBO,
a Chapeuzinho Amarelo
foi perdendo aquele medo:
o medo do medo do medo do medo que tinha do LOBO.
Foi ficando só com um pouco de medo daquele lobo.
Depois acabou o medo e ela ficou só com o lobo.
O lobo ficou chateado de ver aquela menina olhando pra cara dele,
só que sem o medo dele.
Ficou mesmo envergonhado, triste, murcho e branco-azedo,
porque um lobo, tirado o medo, é um arremedo de lobo.
É feito um lobo sem pÊlo.
Um lobo pelado.
O lobo ficou chateado.
Ele gritou: sou um LOBO!
Mas a Chapeuzinho, nada.
E ele gritou: EU SOU UM LOBO!!!
E a Chapeuzinho deu risada.
E ele berrou: EU SOU UM LOBO!!!!!!!!!!
Chapeuzinho, já meio enjoada, com vontade de brincar de outra coisa.
Ele então gritou bem forte aquele seu nome de LOBO umas vinte e cinco vezes,
Que era pro medo ir voltando e a menininha saber com quem não estava falando:
LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO
Aí, Chapeuzinho encheu e disse:
“Pára assim! Agora! Já! Do jeito que você tá!”
E o lobo parado assim, do jeito que o lobo estava, já não era mais um LO-BO.
Era um BO-LO.
Um bolo de lobo fofo, tremendo que nem pudim, com medo de Chapeuzim.
Com medo de ser comido, com vela e tudo, inteirim.
Chapeuzinho não comeu aquele bolo de lobo, porque sempre preferiu de
chocolate.
Aliás, ela agora come de tudo, menos sola de sapato.
Não tem mais medo de chuva, nem foge de carrapato.
Cai, levanta, se machuca, vai à praia, entra no mato,
Trepa em árvore, rouba fruta, depois joga amarelinha,
Com o primo da vizinha, com a filha do jornaleiro,
Com a sobrinha da madrinha
E o neto do sapateiro.
Mesmo quando está sozinha, inventa uma brincadeira.
E transforma em companheiro cada medo que ela tinha:
O raio virou orrái;
barata é tabará;
a bruxa virou xabru;
e o diabo é bodiá.
Quadrilha
João
amava Teresa que amava
Raimundo que
amava Maria que
amava
Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João
foi para os Estados Unidos,
Teresa
para o convento,
Raimundo morreu de desastre,
Maria
ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou
com
J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Carlos Drummond